“Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.” As palavras de Ruy Barbosa, retiradas da “Oração aos Moços”, soam de forma ainda mais significativa neste ano, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou fim à Emenda Constitucional 114/2021, popularmente conhecida como “PEC do Calote”.
Precatórios são títulos de dívidas do poder público, reconhecidos pela Justiça, e que permitem que empresas ou pessoas físicas recebam esses valores, os quais devem estar previstos no orçamento público. Conforme a EC 114/2021, entre 2022 e 2026, os recursos para esses pagamentos ficariam limitados ao valor atualizado pago no exercício de 2016 para cumprir a meta fiscal.
Com essa decisão, fica autorizada a quitação de R$ 95 bilhões em precatórios em 2023. Essa é uma das grandes vitórias da Ordem dos Advogados do Brasil e de toda a sociedade brasileira, que enfrentavam os desafios impostos por essa emenda, marcada pela denominação que a caracteriza como um obstáculo ao cumprimento das obrigações do poder executivo.
Contexto da luta da OAB
Desde o início, a OAB esteve engajada na defesa dos direitos fundamentais dos credores, buscando barrar as emendas que permitiam ao governo federal não pagar precatórios até 2026. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.064 foi a estratégia adotada pela Ordem para contestar a constitucionalidade das medidas, em conjunto com outras seccionais e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB).
O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, destacou a importância da decisão do STF. “Essa vitória é para toda a sociedade brasileira, é um resgate da dignidade da Justiça e da efetividade das decisões do Judiciário. Estamos restaurando o respeito à separação dos Três Poderes e garantindo o pagamento justo e tempestivo dos precatórios”.
Alertas e parcerias estratégicas
Ainda 2021, o CFOAB advertiu, em manifesto assinado juntamente com as 27 seccionais, para o risco do estabelecimento de novas regras para o cumprimento das decisões judiciais de pagamento, atingindo milhões de credores – pessoas físicas, entre eles idosos, portadores de deficiência e doenças graves, além de pessoas jurídicas que garantem milhões de empregos, renda e arrecadação.
A OAB, em nota pública de janeiro de 2022, reiterou o alerta sobre os riscos da PEC. Desta vez, em comunicado conjunto com a AMB e diversas confederações, a OAB ressaltou que as emendas violavam a independência entre os Poderes e institucionalizam a moratória sobre os precatórios federais – com contingenciamento de recursos e instituição de índice incapaz de recompor a inflação para fins de correção monetária dos débitos (taxa SELIC).
Em junho de 2023, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) endossou a pauta. Segundo Simonetti, “o diálogo entre o Conselho Federal e a Ajufe é fundamental para enfrentar os desafios que se apresentam hoje no campo jurídico e, assim, garantir a efetividade das decisões judiciais no âmbito da Justiça Federal”. No encontro realizado na sede do CFOAB, a Ajufe entregou um ofício destinado à presidência do STF, solicitando a apreciação urgente da ADI 7.064, buscando garantir o pagamento tempestivo dos precatórios federais.
Decisão histórica do STF
Em julgamento virtual, por maioria de votos, o Supremo derrubou as alterações implementadas em 2021, no regime constitucional de precatórios, incluindo a imposição de um teto para os pagamentos entre 2022 e 2026. De acordo o ministro Luiz Fux, em seu voto, a “limitação a direitos individuais” dos cidadãos titulares de crédito foi eficaz para combater “os distúrbios sociais causados pela Covid-19”, mas já pode “prejudicar severamente, em um futuro breve, o pagamento das mesmas despesas com ações sociais anteriormente prestigiadas”.
Repercussões e reconhecimento do Governo Federal
A decisão do STF foi elogiada em nota conjunta do governo federal, destacando o resgate da dignidade da Justiça e o compromisso com a segurança jurídica. A nota assinada por Simone Tebet (ministra do Planejamento), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Dario Durigan (ministro da Fazenda em exercício à época), Cristina Kiomi Mori (ministra da Gestão em exercício à época) e Bruno Moretti (ministro da Casa Civil em exercício à época) afirma que “a decisão também representa um resgate da dignidade da Justiça e da efetividade das decisões do Judiciário, além de externar compromisso com a segurança jurídica”.
O texto também diz que a decisão prestigia a atuação do Parlamento na definição do espaço orçamentário, por preservar o Regime Fiscal Sustentável, prevendo que a quitação do passivo criado pelas emendas constitucionais que embasaram a interrupção dos pagamentos será feita por meio de créditos extraordinários – não contabilizados nos limites de despesas, nos termos da Lei Complementar nº 200, de 2023 – que serão submetidos à consideração do Congresso mediante o envio de medidas provisórias.
Para o presidente da comissão Nacional de Estudos Constitucionais e membro honorário vitalício do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a decisão do STF não apenas representa um avanço crucial na defesa dos direitos fundamentais dos credores, mas também restabelece a confiança na efetividade das decisões judiciais. “Em meio a uma batalha contra a moratória institucionalizada, a OAB desempenhou papel protagonista, liderando a luta contra a PEC do Calote desde o início. A vitória alcançada não é apenas jurídica, mas sim um marco que evidencia a importância da independência entre os Poderes e a honra das dívidas reconhecidas pela Justiça”, finalizou.