Leia na íntegra o discurso do presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, por ocasião da abertura da 24ª Conferência Nacional da Advocacia.
DISCURSO DE ABERTURA
24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira
27.11.2023
Belo Horizonte – MG
José Alberto Simonetti
Presidente da OAB Nacional
Advogadas e advogados,
Seis anos após nossa última conferência presencial, estamos juntos novamente para pensar a Advocacia e o Direito no Brasil.
Hoje, também, iniciamos o ciclo de debates que determinará os rumos da Ordem dos Advogados do Brasil nos próximos anos.
O contexto desta quadra histórica é de acontecimentos atípicos que exigiram uma pronta resposta em apoio ao regime democrático e à Constituição de 1988.
A OAB tem insistido que o momento é de trabalhar com vistas ao diálogo institucional e à segurança jurídica. Essa é a única via possível para o nosso desenvolvimento enquanto nação.
Neste ano, em que a Ordem completa 93 anos, este palco servirá para fortalecer a profissão de fé que norteia a nossa caminhada.
Este é um espaço de reafirmação das garantias e de defesa incansável das prerrogativas da advocacia – pois apenas elas são capazes de proteger a nossa atuação profissional em prol dos cidadãos.
Temos compromisso com o aprimoramento da advocacia…
Temos compromisso com a excelência do ensino do Direito…
Temos compromisso com a liberdade do povo brasileiro…
Temos compromisso com a ampla defesa e com o devido processo legal…
Desses princípios, jamais podemos nos afastar!
Diante de mim, neste palco, vejo as mais brilhantes mentes jurídicas de nosso tempo, que estão dispostas a uma troca de experiências indispensável para o enfrentamento dos gargalos que nos afligem.
Vamos ampliar nossos projetos destinados a superar as deficiências que atingem a advocacia, seja nos grandes centros urbanos ou nas pequenas cidades do interior do Brasil, da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal…
A OAB está sempre presente!
Junto a juristas, magistrados, membros do Ministério Público e às demais autoridades, convido a debater o aperfeiçoamento da legislação e a efetividade do Sistema de Justiça.
“Constituição, Democracia e Liberdades” é o tema desta nossa Conferência.
Trata-se, na verdade, senhoras e senhores, de um mote eterno, que necessita ser continuamente reafirmado.
Afinal, as ameaças de retrocesso estão sempre à espreita, muitas vezes escondidas, mas prontas para atacar…
Senhoras e senhores,
Um nome tem marcado o desenvolvimento de gerações de juristas. Trata-se de Ruy Barbosa.
Nossa admiração por ele se deve à importância de seu legado para a edificação institucional do Brasil: um Estado Democrático de Direito, organizado na forma de República Federativa.
Nesta ocasião, que é tão simbólica, trago à luz um dos projetos do mestre Ruy Barbosa: empunhar a “bandeira do civilismo”.
E trago palavras dele para explicar o sentido dessa expressão:
“…O único interesse do civilismo, a única exigência de seu programa, é que se observem rigorosamente as condições da justiça… Civilismo quer dizer ordem civil, ordem jurídica, a saber: governo da lei, contraposto ao governo do arbítrio, ao governo da força, ao governo da espada…”
Aqui, cabe ainda destacar um dos mais brilhantes juristas de nosso tempo, de quem tenho a honra de ser conterrâneo e de tê-lo como inspiração.
Falo de Bernardo Cabral, um dos homenageados desta conferência e detentor da Medalha Ruy Barbosa, a mais alta honraria da advocacia brasileira.
Primeiro amazonense a presidir a Ordem dos Advogados do Brasil, Cabral desempenhou também a relevantíssima missão de ser o relator da Assembleia Nacional Constituinte.
Por meio dele e das dezenas de advogados que participaram da composição da Carta Cidadã, a OAB trabalhou para que fossem devidamente cristalizadas garantias como o habeas corpus, o devido processo legal e a própria independência do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Bernardo Cabral representa credibilidade e seriedade. Ele é o retrato de uma advocacia feita por amor à profissão e à nação…
Aprendo muito com ele sempre que tenho a sorte e o privilégio de encontrá-lo… Isso para não falar de sua brilhante obra…
Na presença de tantos homens e mulheres que dedicam suas vidas à Ordem dos Advogados do Brasil, invoco palavras do nosso mestre Bernardo Cabral – as quais devemos carregar como um verdadeiro juramento:
“A OAB não é uma instituição com conotação público-partidária […] ao tomar uma posição, ela sempre permanece na defesa intransigente do Estado de Direito. […] a OAB, em tempo de eleição ou não, permanecerá atenta à defesa da normalidade democrática, para que as prerrogativas constitucionais não sofram qualquer tipo de atentado. E mais: para que seja respeitada a vontade do povo.”
Ou seja: nós, advogados do presente, devemos aos advogados do ontem e do amanhã, aqui representada por uma pujante jovem advocacia, uma atuação firme em defesa das prerrogativas e da Constituição!
A OAB não tem partido, não tem ideologia partidária.
A OAB é da advocacia e do Brasil e não se deixa sequestrar por interesses políticos de ocasião.
O arbítrio e o autoritarismo são intoleráveis, doa a quem doer.
É sob inspiração de Bernardo Cabral, portanto, que nos posicionamos, sempre, em amparo à independência e à harmonia entre os Três Poderes.
Sem o empenho da advocacia nos anos mais sombrios vividos por este país, não haveria, hoje, um Judiciário e um Ministério Público independente.
Zelamos, agora, para que essa independência não seja usada para camuflar o abuso de autoridade.
Prezadas e prezados,
Honrar o legado de Ruy Barbosa e a presença de Bernardo Cabral neste evento significa, hoje, se colocar contra abusos cometidos contra as prerrogativas da advocacia e, portanto, contra as cidadãs e os cidadãos brasileiros.
Está viva entre nós a “bandeira do civilismo”!
É por isso que nos lançamos contra, por exemplo, o tolhimento das sustentações orais presenciais por autoridades que deveriam, por obrigação, dar um bom exemplo ao país.
A supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa é inaceitável!
Não tem cabimento, em pleno 2023, quererem diminuir a importância do Estatuto da Advocacia, que é regido por uma lei federal.
Quem hoje aplaude esse arbítrio pode, amanhã, ser alvo dele.
É por isso que precisamos deixar claro que defendemos e gostamos da democracia seja quando for, não apenas em alguns momentos ou ocasiões.
A OAB elegeu o diálogo como método de pleitear o fim das violações de prerrogativas.
Há dois anos, estamos buscando uma solução, por meio do diálogo.
Sempre privilegiamos o diálogo institucional e os caminhos indicados pela Constituição. E insistiremos nesses caminhos. Se preciso, usaremos todos os caminhos estabelecidos pela Constituição.
E, nesse ponto, eu quero esclarecer isso ao Brasil, não há divergências. Eu conto com a união e o apoio dos mais de um milhão e trezentos mil advogadas e advogados do país, independentemente de ideologia.
Há poucos anos, vimos o surgimento de um foco de autoritarismo e abuso dentro do Judiciário. O próprio Supremo rechaçou essa fórmula.
A OAB jamais aceitou que juízes e membros do Ministério Público confundissem advogados com clientes ou punissem advogados com base em critérios subjetivos, criados por suas convicções pessoais e que não estão em nenhuma lei.
Esse continua sendo o entendimento da Ordem, de sua direção nacional, de todos os presidentes e de todas as presidentes de seccionais e das conselheiras e dos conselheiros federais, das mais de mil subseções, das caixas de assistência e de toda a estrutura da OAB, que representa toda a advocacia nacional.
Da mesma forma como denunciamos os abusos de outrora, não aceitaremos nenhum tipo de justiçamento também no presente. É assim que se constrói uma nação democrática e civilizada.
Advogadas e advogados do Brasil,
A Ordem cumpriu seu papel constitucional nos momentos em que o regime democrático sofreu ataques.
Nos portamos como verdadeiro escudo das instituições e da estabilidade democrática – sobretudo do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Eleitoral.
O que queremos agora é reciprocidade, pois é isso que baliza o Estado Democrático de Direito.
Sempre estaremos a postos para defender as instituições e a cidadania brasileira. Mas nossa prioridade é fortalecer a advocacia. As prerrogativas da classe vêm antes de tudo!
Ao ascender à Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, imbuí-me do propósito de fazer uma gestão “da Advocacia para a Advocacia”.
Uma OAB de reconexão, de portas abertas.
A nossa missão essencial é a valorização da advocacia…
O nosso compromisso inarredável é com a defesa das prerrogativas da classe…
Assim agimos porque, conforme o artigo 133 da Constituição, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”.
Defender o advogado é defender os direitos e garantias fundamentais dos mais de duzentos milhões de brasileiras e brasileiros!
Por isso nos empenhamos em tantas batalhas, a começar pelo problema dos honorários…
A partir da vitória obtida pela OAB no STJ, no ano passado, asseguramos à advocacia ter respeitado seu direito ao cálculo justo dos honorários, segundo o Código de Processo Civil.
Mas tivemos também, agora em novembro, a vitória que foi o acolhimento, pelo STF, do entendimento de que não se pode exigir dos advogados a devolução da verba honorária recebida de boa-fé de ação transitada em julgado.
Antes, em outubro, outra conquista no STF: a possibilidade de cumulação de honorários assistenciais e contratuais incidentes sobre demandas em ações coletivas trabalhistas.
Reconhecer, com honestidade, o que é feito pelo Supremo Tribunal Federal para a advocacia é reconhecer também que o diálogo pode evoluir para uma solução na questão da sustentação oral e em diversos outros temas.
Entre as outras vitórias que obtivemos neste ano está, por exemplo, a indicação de uma advogada para o Superior Tribunal de Justiça, a ministra Daniela Teixeira, o que coroa todos os esforços que a OAB tem feito para contribuir com a presença da mulher advogada nos espaços de poder.
E também a aprovação da lei que passou a permitir que a OAB sancione os advogados e advogadas que praticarem assédio de qualquer tipo.
No ano passado, 2022, conseguimos outra importante conquista legislativa que foi a aprovação da Lei 14.365, que atualizou nosso Estatuto da Advocacia.
Entre diversos pontos, a atualização incluiu na lei, período de férias para as advogadas e advogados, com suspensão de prazos.
Com a aprovação da nova lei, garantimos também a inclusão expressa do direito à sustentação oral contra decisão monocrática e o aumento da pena para o crime de violação de prerrogativas.
Além disso, foi reforçada a inviolabilidade dos escritórios, uma garantia constitucional!
Que nunca mais se repitam as operações em escritórios de advocacia. Houve casos recentes em que advogados levaram um ano para reaver os documentos de clientes que não eram alvos da investigação…
Que nunca mais se decretem mandados de busca e apreensão sem que o magistrado identifique claramente os objetos específicos da diligência…
Que nunca mais um cidadão seja prejudicado por apurações que não lhe dizem respeito!
É bem verdade que evoluímos do ponto de vista legislativo, porém, precisamos superar as dificuldades também no Judiciário.
A inviolabilidade dos escritórios de advocacia é uma pauta necessária para toda a classe… Nossa luta é para proteger essa inexorável coluna de sustentação do Estado Democrático de Direito…
Se forem constatadas violações de prerrogativas da advocacia, vamos enfrentá-las, na forma da lei – porque, no final das contas, são os cidadãos os maiores prejudicados.
É com esse intuito que investimos nas Caravanas das Prerrogativas, que estão percorrendo o país para verificar a realidade de cada localidade. É por isso também que avançamos na regulamentação do Sistema Nacional de Defesa das Prerrogativas Unificado, para que possamos atuar unidos na defesa da atuação profissional das colegas e dos colegas, independentemente do local de sua atuação.
Nós estamos preparados para defender os interesses da advocacia em todo lugar, a todos os momentos e em face de quaisquer autoridades!
A OAB não tem ideologia, senão o respeito à Constituição.
A OAB não tem partido, senão a defesa dos mais de 1 milhão e 300 mil advogados e advogadas deste país.
No Congresso Nacional, nos empenhamos pela aprovação, agora em novembro, do projeto de lei que assegura que cabe apenas à OAB avaliar a conduta de seus inscritos e não mais, em nenhuma hipótese, aos juízes…
Era absurda a hipótese de aplicação sumária, sem o devido processo legal, sem contraditório, sem ampla defesa, de uma multa que não tem nenhum tipo de precedente no ordenamento jurídico brasileiro.
Em agosto, o STF anulou decisão da Justiça do Trabalho que aplicou multa pessoal ao procurador de um município por não cumprir o prazo para adicionar documentos a um processo.
Na ocasião, o ministro Luís Roberto Barroso reafirmou que tal penalidade contradiz a jurisprudência do STF e que foi explicitamente revogada pelo Código de Processo Civil de 2015.
É urgente esclarecer, de uma vez por todas, que não há hierarquia nem subordinação entre a Advocacia, a Magistratura e o Ministério Público, pois assim diz a lei.
Somente a Ordem dos Advogados do Brasil pode se encarregar das discussões éticas atinentes à profissão, assim como o fazem, em seus respectivos âmbitos, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.
Advogadas e advogados,
Damos muito valor à Coordenação Nacional das Caixas de Assistência dos Advogados e das Caixas de Assistência por todo o país.
É um sistema de apoio ímpar no Brasil, com uma atuação para que cada advogada e advogado tenha acesso a benefícios compatíveis com a maior e mais bem organizada profissão do país.
Falo de uma extensa rede de descontos, além das campanhas de vacinação, que dão o bom exemplo e são motivo de orgulho para o sistema OAB.
Por meio das Escolas Superiores da Advocacia, nacional e dos estados, temos investido em oferecer às inscritas e aos inscritos capacitações para que possam se manter atualizados.
A ESA está em vias de se tornar faculdade e vai poder certificar suas próprias pós-graduações. Também ampliou seus eventos para o corredor internacional.
A educação continuada é uma necessidade para nosso mercado, cada vez mais saturado e competitivo. Por isso, a Ordem e as ESAs se empenham na disponibilização desses cursos, gratuitos ou a baixo custo, para que a advocacia nacional tenha acesso ao conhecimento e às ferramentas necessárias para o presente e para o futuro da profissão.
Senhoras e senhores,
Já me encaminho para o final, com uma confissão:
Minas Gerais é um estado que me emociona muito…
Não apenas pelas belas montanhas da paisagem, nem somente por causa da culinária divina e maravilhosa…
Há em Minas poetas que tocam profundamente a alma…
Trago versos do itabirano Carlos Drummond de Andrade, que devem inspirar a nossa interação nestes três dias:
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
Esse é o meu recado hoje: “vamos de mãos dadas”.
E para encerrar, encontraremos o tom.
O tom do diálogo.
O tom de um Brasil melhor.
O tom da pacificação social, que se busca há anos.
Por vezes, há vozes de incompreensão. Por vezes, vozes de alento e definitiva paz. Mas não deixemos de ouvir as vozes de esperança, de um Brasil melhor.
Muito obrigado!