Se em 2022 a OAB teve como uma das principais bandeiras a luta contra o assédio e a discriminação contra mulheres advogadas, em 2023 a entidade deu um passo a mais. Neste ano, depois de intensa atuação da Ordem, o Congresso Nacional debateu, e o Poder Executivo sancionou a lei que passou a permitir que a OAB possa punir a prática de assédio de qualquer tipo.
A Lei 14.612/2023 foi publicada no Diário Oficial da União em 4 de julho deste ano. Ela determina a suspensão do exercício da advocacia por profissionais condenados por assédio moral, assédio sexual e discriminação. A proposta é iniciativa da OAB Nacional, por meio da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA), e apoio das seccionais.
O novo texto aprimora o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), incluindo assédio e discriminação no rol de infrações ético-disciplinares. A normativa foi apresentada no Congresso Nacional pela deputada federal Laura Carneiro (PSD-RJ) e teve aprovação unânime, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.
Respeito
A presidente da CNMA, Cristiane Damasceno, enfatizou que a Lei do Assédio é um legado fundamental para todo o Sistema de Justiça. “A lei reafirma o compromisso da advocacia e do Estado brasileiro com a igualdade de gênero e o respeito ao livre exercício da profissão e às prerrogativas da classe, nesse caso, especialmente para as mulheres”, afirmou.
Ela realça que a sanção atualiza o Estatuto da Advocacia para coibir a prática de todas as formas de assédio na advocacia. “É uma conquista histórica para a classe, para a sociedade e um passo importante no sentido de proporcionar um ambiente de trabalho digno e seguro, especialmente para as mulheres”, destacou.
Na visão de Rejane Sánchez, vice-presidente da CNMA, a OAB, como maior e mais respeitada entidade civil do país hoje, novamente sai na vanguarda, dando exemplo a toda a sociedade daquilo que é necessário para avançar em políticas que de fato possam enfrentar problemas estruturais. E o assédio e a discriminação são problemas estruturais no mundo inteiro, mas no Brasil especialmente e também na advocacia.
“Quando a Ordem dos Advogados do Brasil, atenta aos ditames sociais hoje na vanguarda no mundo, como a determinação da Organização Internacional do Trabalho que recrimina a prática do assédio e responsabiliza o Estado brasileiro a tomar providências em relação a ela, como uma entidade que representa hoje mais de um 1,3 milhão de advogados, se mobiliza dessa forma, faz de fato uma transformação sem precedentes”, disse Rejane.
De acordo com o entendimento da CNMA, o reconhecimento pelo Estado brasileiro do assédio como prática nociva que fragiliza e que macula as pessoas, a ponto de comprometer sua saúde mental e física, e a relevância do tema endossada pela OAB, ao determinar que práticas do assédio moral, sexual e, ainda, discriminação possam se tornar uma infração disciplinar num ambiente profissional praticada contra qualquer pessoa, trazem uma importância sem precedentes ao problema.
A campanha Advocacia Sem Assédio, promovida pela Comissão ao longo de 2022, sensibilizou o Sistema OAB sobre o tema e abriu espaço para o advocacy para a aprovação da Lei, especialmente por meio das conselheiras federais nas bancadas, seccionais e estados de origem, com as respectivas bancadas parlamentares, formando uma grande frente de convencimento da importância da normativa e construindo uma baliza para toda a sociedade brasileira.
“No nosso dia a dia, enquanto profissionais, somos chamados a acusar e a defender casos de assédio e discriminação. Quando a OAB traz esse olhar de responsabilidade ao tema para a advocacia, somos chamados à autoanálise, a uma percepção do nosso ambiente. Penso que essa iniciativa vem para que nós possamos ter um cenário mais favorável para o próprio desenvolvimento das carreiras, com mais ética, respeito, um olhar mais atento à diversidade, a questões relacionadas ao etarismo, às diferenças regionais e sociais. Em um país com mais de 200 milhões de habitantes e 1,3 milhão de advogados, temos todas as formas de advocacia possíveis e toda a clientela possível. Para isso, nós precisamos estar atentos para vivermos em ambientes saudáveis”, pondera Rejane Sánchez.
A ideia é que, com a campanha e a lei contra o assédio, haja potencial para transformar a conscientização da advocacia e mesmo da população e do jurisdicionado, ao se ter em conta a capacidade de formação de opinião de advogados e advogadas. Com a lei, há também os canais de denúncia. Sem denúncia, a lei se torna inócua. É preciso, portanto, vencer as barreiras pelas quais especialmente as vítimas precisam enfrentar para fazer denúncias.
Há, ainda, algumas necessidades de ajustes para regulamentação para o devido tratamento dos casos pelos Tribunais de Ética e Disciplina (TEDs). Para a CNMA, é preciso agora encorajar as vítimas para que façam as denúncias e promover algumas adequações, como, por exemplo, prever medida liminar para que a vítima se sinta protegida para seguir no ambiente de trabalho e enfrentar um processo que não é simples, especialmente no que diz respeito às questões pessoais e de relacionamento profissional.
Efetividade
E, por fim, é preciso construir meios para avaliar a efetividade da Lei, como a coleta de dados, sempre garantindo o absoluto sigilo, para que as partes envolvidas se sintam protegidas no que diz respeito não só à denúncia, mas também à defesa — considerando que aquele indicado como infrator só pode ser considerado culpado depois de transitado em julgado o processo. E a partir do momento em que esse sistema estiver organizado e forte, será possível criar novas políticas e outras iniciativas.
Para a vice-presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Cristina Lourenço, a Lei do Assédio protege a todos e todas, mas a maioria das vítimas é de mulheres. “Hoje, na área do direito, e na advocacia, temos uma grande maioria de mulheres como vítimas. Então, nada mais certo e responsável do que nós termos uma legislação que trabalhe para que todo tipo de assédio seja combatido, seja punido”, disse.
Na visão dela, é uma forma de dar segurança às mulheres advogadas, também levando em conta que a advocacia é formada majoritariamente de mulheres e jovens advogadas. “Elas sofrem todo dia algum tipo de assédio, ou poderiam sofrer ou poderão vir a sofrer. A lei faz esse enfrentamento. E, no caso de não haver a prevenção, a repressão.”
Ponto a ponto
1) A vanguarda da iniciativa: depois da paridade, a OAB, entidade civil organizada com a maior representatividade no país, é a primeira a criminalizar o assédio moral, sexual e a discriminação no ambiente profissional no Estado brasileiro. Alinhada com o reconhecimento estatal e mundial do problema, a OAB torna-se, novamente, exemplo e paradigma.
2) A estratégia: liderada pelo presidente Beto Simonetti e a presidente da CNMA, Cristiane Damasceno, o CFOAB, já no início da gestão, lança a campanha de combate ao assédio. Assim, leva o problema às discussões, publiciza o assunto, estuda e esclarece os conceitos, com o objetivo de mostrar à advocacia a urgência, temeridade e importância da temática. Uma vez propagada a informação, elabora, no seio da CNMA, o projeto. A Comissão envia a proposta à Presidência, a qual, entendendo a relevância, processa e distribui ao Pleno.
3) O processo no Pleno: o relator foi definido e o conselheiro Carlos José da Silva (SP), o Cajé, assumiu a tarefa. Ele entendeu tratar-se de matéria importantíssima e de maneira colaborativa compartilhou da construção do voto com subsídios da própria CNMA. A proposta foi aprovada por unanimidade na sessão do pleno de março de 2023, em Belo Horizonte.
4) Atuação no Legislativo: mais uma vez, a CNMA, acompanhada por outros colegiados, como de assuntos legislativos, buscou o imediato trâmite no Congresso Nacional. O projeto foi aprovado com urgência na Câmara. E, novamente, as conselheiras e conselheiros federais, unidos, fizeram um grande movimento, que resultou na aprovação pelo Senado e, em seguida, na promulgação do texto pelo Executivo.
5) O trâmite legislativo: a proposta foi apresentada na Câmara por Laura Carneiro e recebeu apoio de praticamente todos os partidos e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tendo sido aprovada sob regime de urgência. No Senado, o PL foi relatado pela senadora Augusta Brito (PT-CE) e recebeu apoio público do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A aprovação pelo plenário foi unânime, em 31 de maio.
Confira aqui a publicação da Lei no Diário Oficial da União
6) Tratamento da infração: o novo texto não coíbe só a prática do assédio moral e sexual no âmbito profissional, mas também a discriminação. Assim, abarca toda forma discriminação, seja ela racial, seja de gênero, seja por questões religiosas, políticas, étnicas.
7) O desafio: o próximo passo é ajustar os procedimentos nos TEDS, tornando-os ambientes seguros e preservados para vítimas e acusados enfrentarem os processos com segurança e celeridade. Preparar os profissionais que administrarão os canais de denúncia, processarão os casos e os julgarão merece todo o cuidado e atenção dos dirigentes da OAB.
8) Os dados: implantados a estrutura, canais, processos, será imperiosa a coleta adequada e eficaz dos dados para a avaliação da iniciativa e a criação de outras políticas de melhoria do ambiente profissional para a advocacia.
Contra o assédio nos portos e navegação
Além da ação prioritária em torno da Lei do Assédio, o CFOAB seguiu com atuações paralelas em torno da matéria. Em 12 de dezembro, ainda, o Conselho Federal, por meio da Comissão de Direito Marítimo e Portuário, firmou, Termo de Cooperação Técnica com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), para o compartilhamento e divulgação de campanha conscientização, prevenção e enfrentamento ao assédio moral e sexual contra mulheres que trabalham nos portos e na navegação.
Representando o presidente Beto Simonetti, a presidente da Comissão Especial de Direito Marítimo e Portuário, Ingrid Zanella Andrade Campos, assinou o termo. “Dessa forma, acreditamos que estaremos ainda mais atuantes no combate ao assédio e na capacitação do direito marítimo e portuário no Brasil”, destacou.