Os desafios da advocacia negra e indígena foram amplamente
discutidos durante a 24ª Conferência Nacional da Advocacia, em Belo Horizonte
(MG), nesta quarta-feira (29/11). De acordo com o presidente da mesa, o conselheiro
federal da Bahia e procurador especial de Defesa dos Direitos dos Povos
Indígenas, Luiz Augusto Coutinho, destacou que é anormal pensar que alguém é
pior ou melhor por uma questão de cor. “Precisamos investir para criar
condições de nós, negros, termos representações nos poderes, mas sem perder as
nossas origens”, declarou.
Coutinho reiterou seu posicionamento em favor das cotas
reparatórias e convidou a população negra a não ter vergonha de suas raízes.
“Muitos advogados do país ainda não se declaram como negros, mesmo sendo.
Precisamos ter a capacidade de resistir ao lado dos que precisam mais de
nós”, disse.
Racismo
O presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra,
Estevão Silva, disse que é necessário trabalhar em como tirar a questão do
racismo apenas do ambiente financeiro e levar para o âmbito da dor. Segundo
ele, a maioria dos juízes ainda concede a esses casos penas irrisórias, como
cesta básica. “Nossas petições são fundamentadas em laudos psicológicos,
tendo em vista que quem sofre algum episódio de racismo tem sua vida afetada
como um todo, ferindo a sua dignidade e sofrendo com doenças psicossomáticas
reais”, afirmou. Sua proposta é elevar os patamares das indenizações.
“O racismo se tornou um nicho de mercado de atuação para os advogados. E,
infelizmente, muitos só se modificam quando sentem no bolso.”
Para a vice-presidente da Comissão Especial da Promoção de
Igualdade Racial da OAB-GO, Edna Terezinha Ramos, a democracia racial é uma
grande falácia. “Nós somos sobreviventes e fruto da resistência dos nossos
antepassados. Uma minoria quantitativa dentro desse mar da advocacia”, lembrou.
Ela avalia que mesmo sendo 59% da população do Brasil e celebrando os 35 anos
da instituição da Constituição Brasileira, poucos são os negros que ocupam os
lugares de poder. “Se não ocuparmos esses espaços, quem vai ocupar por
nós?”, questionou. Apesar de considerar o Brasil uma nação racista e que
mecanizou o preconceito em estrutura de leis, Terezinha acredita que houve
avanços. “Os escravizados não tinham acesso à educação e nem a terras,
mesmo após a abolição”, pontuou. Contudo, fez uma provocação: “Quantos
representantes negros temos no Congresso Nacional, no Senado Federal e na
própria OAB?”
O diretor da Associação Nacional da Advocacia Negra (Anam), Luciano
Nascimento, discorreu sobre o quanto ainda é preciso crescer para respeitar as
pessoas e seus direitos. “Temos que frear o ímpeto daqueles que não estão
de acordo com o Estado Democrático de Direito. Precisamos ter voz”. Para ele,
quando se deseja que algo mude, não basta apenas debater. É preciso participar.
Direito de Família
A advogada e relatora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-BA,
Eliane Macedo, afirmou que no que diz respeito ao Direito de Família, existe um
preconceito grande sobre a tratativa de inventários, por serem morosos. Muitos
por erro de registro de pessoa natural, o que faz com que o inventário pare.
“No entanto, nossa Constituição diz que todos têm direito à herança, mas
quantas pessoas morreram na pandemia sem usufruir de seus direitos?”, indagou
o público.
Eliane Macedo explicou que por meio da Associação Nacional
da Advocacia Negra, advogados de todo o Brasil podem auxiliar a população em
suas dificuldades. “Temos que ter maturidade para informar aos cidadãos quais
são os seus direitos”, falou.
Diversidade
O advogado Ricardo Florentino Brito opinou que é preciso
falar sobre inclusão e diversidade, considerando que a sociedade é composta por
culturas múltiplas. “Promover um ambiente de trabalho diversificado contribui
para ampliar as perspectivas e vivências.”
Em sua apresentação, apontou que empresas onde as mulheres ocupam
cargos de liderança têm apresentado resultados surpreendentes. “As
práticas de ESG [Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês], adotadas
pelo mercado de trabalho, dizem muito sobre a inclusão das minorias”, informou.
Ele ainda indicou a Aliança Jurídica pela Equidade Racial e a Agenda 2030
(Pacto Global da ONU), como importantes passos para a redução das
desigualdades. Dentro da advocacia, analisou que a diversidade e a inclusão
ainda são questionadas e sugeriu uma aliança jurídica pela igualdade,
respeitando a paridade e a remuneração.
A especialista na advocacia cível Lidia Costa refletiu sobre
a Constituição e a liberdade e o papel do advogado negro que, apesar do
preconceito. “Devemos nos posicionar como especialistas”, exclamou. Em sua
visão, as políticas afirmativas, de combate a discriminações étnicas e raciais,
devem ser cotidianas. “A democracia racial é um mito atemporal. Nos
embutiram, desde o império, que o racismo não existe e que somos iguais perante
a lei. Mas onde estão esses negros?”. Para ela, o letramento racial é
fundamental para reeducar o indivíduo em uma perspectiva antirracista. “É
preciso avaliar que nem tudo é racismo para não cairmos na descredibilidade”,
complementou.
Causa indígena
A advogada indígena assessora-chefe de Inclusão e
Diversidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Samara Pataxó, discorreu
sobre os desafios da advocacia das causas indígenas no Senado Federal. “A
começar pelo desafio de ser e permanecer indígena no Brasil”, mencionou. O
processo de aculturação, retirada de territórios, enfrentamento de doenças,
entre várias outras lutas, não fizeram com que os índios deixassem de ser
cidadãos para ser apenas sujeitos transitórios. Não podemos nos esquecer de que
somos povos originários, pertencemos à nação e temos o direito a tudo o que
está previsto na Constituição”, concluiu.